quarta-feira, 14 de março de 2012

MELANCOLIA - de Lars von Trier, Alemanha /Dinamarca /França /Suécia, 2011 (resenha)




http://www.imdb.com/title/tt1527186


"Melancolia" é um estado de espírito? Um limite da alma? Uma entrega à frieza e aridez do mundo real?

Lars von Trier materializa magicamente um sentimento hediondo e inevitável na forma de um planeta monstruosamente adequado à falta de esperança e o desgosto pela vida. Pois a tristeza sem nome ou motivo ou fim tem o peso de um planeta que paira ameaçador sobre nossas cabeças. O fim dos tempos vem de dentro, muito mais do que do espaço sideral, e o choque entre ambos é definitivo. A perda de sentido, a ausência de valor, o vazio, a morte. Fim do mundo? Acontece todos os dias, diante de nós ou no fundo de nossas mentes, muito mais concretamente do que nos permitiríamos de admitir.

A elegância da luxuosa locação contrasta com a quase absoluta miséria humana retratada com a simplicidade já característica do Trier. Simplicidade complexa, cheia de camadas, surpresas e monotonias, estranhamento, pausas, contemplação e sensibilidade. A tecnologia fabulosa da câmera digital hiper-lenta mais uma vez coroa a obra do autor, que desenvolve diante dos olhos o espanto de uma narrativa não necessariamente linear, não necessariamente coerente, investida de um sentimento estrondoso, de um silêncio ávido. A atuação deslumbrantemente deprimente de Dunst e Gainsbourg têm as marcas do sofrimento minimalista, incessante e onipresente com o qual se deparam as personagens, mergulhadas em trivialidade abjeta e inescapável, representando algo dentre o que há de mais insano e mundano em nós seres humanos. O gosto de cinzas do prato predileto é a melhor metáfora para a tristeza absoluta. De certa forma, a ausência de sentido é o único conforto no fim do mundo. E permite a sanidade expressa na garantia da entrega ante a pureza da infância.

Se o evento astronômico é ímpar, o que gira em torno dele é apenas o que sempre foi: um momento depois do outro, o fluxo do espaço-tempo divergindo em memórias, mágoas, mentiras, misericórdia e melancolia.


Um comentário:

Maicon Antonio Paim disse...

Há duas cenas finais que me chamam atenção. A primeira é aquela em que a personagem de Gainsbourg utiliza um carrinho de golf para tentar livrar ela e o filho das inevitáveis consequências do impacto dos planetas. É como se o Von Trier estivesse dizendo: o ser humano é patético na sua sanha de se livrar de seu destino e sua insignificância. A outra é o plano final do filme em que as irmãs forjam aos olhos da criança uma espécie de refúgio mágico do apocalipse. Talvez esta sequência represente a compaixão, uma tentativa materna de livrar a criança de se confrontar com o absurdo da existência.