quinta-feira, 7 de abril de 2011

c'est la vie (resenha)



Os filmes de James Gray provocam uma profunda experiência cinematográfica e humana. Quando um artista domina os códigos da sua arte e, além disso, consegue usar essa linguagem para abordar os mais angustiantes conflitos das relações humanas e do homem diante das suas escolhas, ele nos possibilita viver ou reviver algo que raramente o “mundo real” nos apresenta de forma tão intensa.


O espaço do cinema de Gray é o da família. O que os pais esperam dos filhos, o que os filhos esperam dos pais, o que todos esperam da vida, e afinal o que a vida tem a oferecer. Em Amantes (Two Lovers), Leonard (Joaquin Phoenix) é romântico, passional e bipolar, o que significa ser o típico personagem que dança na beira do abismo, debatendo-se perante a escolha pelo afeto e a compreensão de Sandra (Vinessa Shaw) e a paixão por Michelle (Gwyneth Paltrow).


Um grande cineasta não precisa de palavras para falar, ele usa o que a sua arte lhe oferece: uma câmera, um espaço e alguns rostos, nesse caso “todos os rostos” de Joaquin Phoenix. A câmera de Gray é a radiografia da dor, e a dor se apresenta num olhar perdido, numa foto de infância, num encontro num terraço de edifício ou num gesto de adeus.


O dilema não precisa ser dito, ele aparece num simples movimento: a câmera acompanha Sandra saindo do quarto de Leonard e retorna em direção à cama onde ele está sentado sendo guiada pelo seu olhar para a janela que mostra o apartamento de Michele. É o fluxo de consciência transformado em imagem.


A carência afetiva e a conturbação psicológica de Leonard ficam expressas numa Nova York cheia de gente, mas onde todos vivem sós na multidão. Na balada, a música alta, a dança e o agito servem como uma tentativa frustrada de abafar o silêncio, a melancolia e a sensação de abandono presentes em todo o filme porque fazem parte da natureza dos personagens (se é que também não fazem parte da natureza humana). Os silêncios e as palavras não ditas de um encontro mal-sucedido só são quebrados pelo vento gelado de um inverno que parece não ter fim (o da alma).


Em “Amantes” não há espaço para alívio cômico, cinismo, frases de efeito ou “belas declarações de amor”. Raros filmes mostram o quanto dizer “eu te amo” pode ser a coisa mais honesta, emocionante, angustiante e dolorosa de se dizer a alguém.


No final, o olhar de cumplicidade, afeto, resignação e compreensão trocado entre mãe e filho são a mais contundente constatação de que o homem e as suas escolhas, os seus desejos e sonhos são insignificantes diante da indiferença ou das escolhas, dos desejos e sonhos que a vida nos permite.

7 comentários:

helyna disse...

Maicon! Ótima resenha sobre um ótimo filme.

Maicon Antonio Paim disse...

Recomendo os outros filmes dele também: Fuga para Odessa, Caminho sem Volta, e Os Donos da Noite (este é uma obra-prima). É um cineasta pouco conhecido, mas o considero o melhor da atualidade. Como ele tem apenas quatro filmes, fica como sugestão para um futuro ciclo.

Giovani Andreoli disse...

: :

Bá, fiquei a fim!

"O melhor da atualidade", ein? Que responsabilidade...

Eu vi "Os donos da noite" fazem muitos anos... nem me recordo mais. Vou procurar.

Muito boa a resenha, principalmente por comentar a linguagem visual, o enquadre e movimento, etc.
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Maicon Antonio Paim disse...

Existem dois filmes com o título "Os Donos da Noite"; um é da década de 80 e outro, dirigido pelo Gray, que é de 2007.

O Gray é um cineasta norte-americano de quem os franceses gostam muito, ou seja, os americanos nasceram para fazer cinema, e os franceses para admirar o cinema americano.

Giovani Andreoli disse...

: :

... "os americanos nasceram para fazer cinema, e os franceses para admirar o cinema americano"?!?

Bá, em alguns lugares tu serias espancado por afirmar isso. E eu poderia ser um dos espancadores... [X-)]

Sim, foi o "Donos..." dos anos oitenta que eu assisti, com certeza.
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Maicon Antonio Paim disse...

Mas é curioso, os franceses e os americanos têm uma antipatia histórica, mas os franceses veneram alguns cineastas americanos mais do que os próprios americanos.

Maicon Antonio Paim disse...

Apesar de gostar muito do cinema francês, o cinema norte-americano é o melhor.