quinta-feira, 2 de junho de 2011

Hedwig e a polegada raivosa (resenha)


Hedwig Robinson não está acorrentad@ em uma rocha do cáucaso grego, despedaçad@ por um raio fulminante, ou pregado em uma cruz -- Hedwig pousa no palco!!! Herói /heroína de tod@s @s condenad@s por crime nenhum, é "solidári@ com tod@s @s desajustad@s e perdedores /perdedoras do mundo".

Hedwig and the angry inch




Personagem tão imensamente lúgubre quanto glamouros@ e fascinante, Hedwig se posiciona acima dos mortais através da glória da Arte, enche os olhos e ouvidos ao interpretar sua tragetória trágica de vida, seus encontros, sonhos e sofrimentos, transubstanciados nas belíssimas canções que compõe. Lembra em certos aspectos o Tommy (Reino Unido, 1969 /1975), da banda "The Who", e o rock-star "Vampiro Lestat", na segunda crônica de Anne Rice (EUA, 1985), e ainda um pouco da ironia provocativa e estranheza cativante das composições de Pedro Almodóvar.

Hedwig é interpretad@ pelo próprio diretor do filme, John Cameron Mitchell (EUA, 2001), que adaptou a história de um musical homônimo, criado por ele mesmo. Impressionantemente, Mitchell também canta, inclusive havendo gravado realmente o vocal enquanto as cenas eram filmadas; posteriormente, trabalhou com a banda na trilha sonora do filme.

Vítima de uma imposição do "mundo correto" ("straight world", trocadilho impossível no português, que poderia ser traduzido como "mundo hétero hegemônico"), Hedwig é mutilado em seu corpo e em sua identidade. A revelação do que significa a "polegada raivosa" é ao mesmo tempo desconcertante, impressionante e esclarecedora. Hedwig dá voz à sexualidade humana de forma incomparável, reeditando o discurso de Aristófanes no Simpósio de Platão: o mito das esferas perfeitas que foram partidas em duas para toda a eternidade, derivando em seres bípedes que sofrem a falta de sua outra metade -- ou seja, nós seres humanos.

A canção "A origem do amor" é uma narrativa de um sujeito transgenérico, palavra com a qual se reconhece todas as pessoas identificáveis como heterossexuais, homossexuais, bissexuais, panssexuais, polissexuais, assexuais /abstêmias, ou quaisquer outras categorias que a imaginação coletiva humana pode conceber para tentar descrever o complexo de relações eróticas e afetivas que, afinal, são algo tão simples e vivo: a nossa bela e trágica condição humana da necessidade e busca pelo amor. Além disso, a mescla de deuses de diferentes panteões clássicos garante ao ato uma dimensão de uma típica alegoria contemporânea, globalizante.

Como toda boa ficção, esta obra ímpar nos mostra situações inusitadas, insólitas, com as quais a grande maioria da audiência não pode se identificar pessoalmente, dentro dos fatos concretos de sua vida -- porém, exatamente dentro desse estranhamento é que enxergamos o AMOR como ele é na vida real, repleto de desencontros e decepções, de imperfeições e ilusões, de riquezas inestimáveis, sofrimentos irrecuperáveis e frutos irrecusáveis!



(agradecimento ao Bruno Campelo, o pelotense que me indicou essa magnífica peça de arte)

3 comentários:

Bruno Campelo disse...

Toda vez que eu vejo o clipe de Origin of Love eu penso que nosso mundo seria um pouquim menos chato de esse fosse o nosso mito fundador.

(E btw, parabens pelo texto, muito bem escrito.)

Giovani Andreoli disse...

: :

Bá, ótima observação. Eu acho q é bem essa a idéia: pensar o nosso mundo a partir de um mito fundador contemporâneo, mais coerente com a realidade em que vivemos.
_______

Maicon Antonio Paim disse...

Este, juntamente com Shortbus, também do Cameron, entra para a minha lista dos filmes a serem vistos.